Thursday, November 10, 2005

Marxismo e Ambiente

Há alguns anos atrás li um livro, cujo autor e editora não recordo os nomes, com o título “Marxismo e Ambiente”. Aquele livro despertou-me, na altura, para uma temática deveras importante. Tão importante quanto nova para o meu raciocínio, na altura, o de um marxista incipiente.

O ambiente, em senso lato, é toda o meio envolvente ao Ser Humano. No tratamento que aqui lhe vamos dar, o ambiente é apenas toda a Natureza que nos rodeia, por nós influenciada e que sobre nós influi, mas que existe sem ter sido concebida pelo Ser Humano. Num entendimento mais estrito, trataremos o Ambiente essencialmente enquanto o conjunto dos recursos naturais que servem de sustento ao desenvolvimento das espécies vivas que habitam em regimes ecológicos interdependentes o planeta.

O marxismo e a prática económica que lhe subjaz são caracterizados, entre outros, por dois vectores paralelos:
1. o da utilização da economia ao serviço do conjunto dos Seres Humanos que intervêm na produção;
2. o da justa distribuição da riqueza ao invés da concentração e cumulação do lucro.

Quando nos defrontamos com a grande maioria dos casos de delapidação ou destruição ambiental actual, encontramos em larga escala uma relação directa entre eles e a exploração dos recursos naturais. Os grandes responsáveis pela degradação ambiental não são as populações, mas sim as grandes indústrias, quer sejam as extractivas, quer sejam as transformadoras e mesmo à agricultura intensiva. As grandes questões ambientais, desde o aquecimento global, à destruição das florestas tropicais sul-americanas, africanas e asiáticas estão intimamente ligadas à actividade do capital, na sua senda de auto-reprodução capitalista por via da exploração do Homem e da Natureza.

Muitas vezes, não relacionamos directamente o marxismo com a defesa do ambiente. Tendências políticas ditas ecologistas vieram fazer crer que existe uma política ecologista que não é necessariamente marxista. No entanto, esperamos que, com este post sejam dados passos para que o leitor passe a relacionar política e economia com ecologia e defesa do ambiente.

O objectivo essencial do marxismo não é, claro, a defesa do meio ambiente. Todavia, um breve raciocínio que leve em conta os dados que podemos tirar das observações do dia-a-dia capitalista, levar-nos-á à conclusão irremediável de que não existe protecção dos recursos naturais sem o socialismo, tal como não existirá humanismo no regime capitalista.

O humanismo está, ainda que muitas vezes o não vejamos, intimamente ligado com a defesa dos recursos naturais. O Homem não pode viver independentemente da abundância de recursos naturais. Principalmente, não pode viver em sociedade rumo ao progresso, nem tampouco manter as actuais condições sociais dos povos sem que existam recursos naturais que o sustentem. A abundância dos recursos naturais influencia, não só a economia capitalista, como também determina a continuidade da espécie e, em última análise, das espécies.
A visão dialéctica dos marxistas é a única abordagem humanista em torno das matérias do ambiente.

Para melhor ilustrar, destacarei dois tipos de políticas ditas ecologistas de diferentes matrizes e aquela a que se chama ecossocialismo:

a social-democrata, que encara o ambientalismo como um tema necessário mas incómodo. A protecção da natureza serve aqui o principal propósito de ser agente cosmético. O capitalismo e a exploração desenfreada dos recursos naturais não são postos em causa. Os Verdes da Alemanha são o típico paradigma de um partido de direita, sustentáculo do capitalismo e do reaccionarismo que afirma defender o ambiente. Na verdade, sob as políticas de direita, o ambiente é dogma exclusivo para limitar a actividade popular dele dependente. O grande capital continua a gerir e a explorar o ambiente em função da maximização do lucro. Para os interesses capitalistas, se for mais lucrativo produzir poluindo, eles assim o farão. Pensar o contrário é pura ingenuidade.
a radicalista, que encara o ambiente como algo superior à própria existência e subsistência da Humanidade, sem que aplique uma visão integrada. O fundamentalismo caracteriza esta corrente política, que mais não é senão uma forma enviesada de esquerdismo ou radicalismo pequeno-burguês. A defesa da natureza por si só, sem uma visão de desenvolvimento da sociedade não serve outros interesses senão os do capital. Estes movimentos não põem em causa os processos de produção capitalistas e fazem crer que toda a delapidação ambiental é fruto da má-vontade das grandes corporações. A defesa da natureza é o fim da ideologia destes grupelhos políticos.
o ecossocialismo é o socialismo, na medida em que o socialismo, para o ser, aplica a economia para o desenvolvimento horizontal da população, dos trabalhadores e do povo. Para o socialismo, a preservação da espécie humana, num rumo de constante diminuição do fosso entre ricos e pobres é o objectivo de médio-prazo. A eliminação das classes, a existência solidária e pacífica dos povos e a distribuição justa da riqueza é o objectivo final. Ambos estão inevitavelmente dependentes da preservação e boa gestão dos recursos naturais.

Assim, é idílico julgar que existe a possibilidade de que o sistema capitalista se venha a auto-controlar na exploração de recursos e na produção de poluentes. Actualmente, existe já tecnologia que permite o avanço das energias alternativas. E, tivesse o esforço de investigação e desenvolvimento sido iniciado antes, já essas energias teriam hoje utilização democrática. Caso a utilização dos combustíveis fósseis não fosse lucrativa, já o capital teria optado há muito por outras fontes de energia e teria investido os milhares de milhões necessários para a sua colocação no mercado. A grande questão é que não convém, obviamente, ao capital, possibilitar a independência energética dos cidadãos. A energia fotovoltaica, por exemplo, possibilita essa independência. A fusão nuclear, poderia também proporcionar energia limpa e barata para toda a população. No entanto, estas tecnologias não estão suficientemente desenvolvidas porque… não dão lucro e porque ainda há muito petróleo por vender.

Para melhor ilustrar: relembro o tamanho médio de uma bateria de telemóvel há dez anos atrás. Desafio-vos a lembrar quanto tempo durou até que diminuíssem para tamanhos centimétricos. Porquê? Se repararmos, foi uma questão de meses. De um momento para o outro as baterias de celulares passaram de autênticos tijolos para pequenos e leves paralelipípedos, curiosamente, com maiores períodos de autonomia e mais amperagem. Daí às baterias de lítio foi um pequeno salto. Porquê? simples… é que começou a dar lucro desmesurado a venda de telemóveis e serviços de telecomunicações através deles. Os motores dos automóveis têm sofrido grandes avanços tecnológicos, mas mantém-se a dependência dos derivados do petróleo. Porquê? porque ainda se obtém significativo lucro através da sua venda. A poluição daí resultante é apenas um dano colateral que o capitalismo desdenha. A poluição não tem reflexos negativos no lucro, por mais campanhas que a greenpeace faça para deixarmos de comprar em determinada petrolífera.

A superação do sistema de produção capitalista e a construção do socialismo é a única via política que preconiza indirectamente a preservação do ambiente. Fazer prevalecer a justa distribuição da riqueza e a própria existência da espécie e civilização humanas é indissociável da boa gestão dos recursos naturais, permitindo a racionalização do consumo dos recursos não vivos e permitindo o desenvolvimento do ciclo reprodutivo dos seres vivos. O exemplo já dado noutro post sobre o vegetarianismo e veganismo ilustram bem o quão incapazes de resolver os problemas ambientais são essas correntes inócuas.



O socialismo e a subversão dos métodos de produção capitalistas, a produção sustentada pelas necessidades do Homem em vez da obtenção de lucro, levam gradualmente a um maior respeito pela Natureza enquanto fonte, não do lucro, mas do nosso sustento. O socialismo, além de ser a única forma de organização das sociedades que pode garantir a sustentabilidade do Ser Humano, mostra-se também a única que coloca o bem-estar antes do lucro. Ora, como para o bem-estar se configura como requisito a abundância de recursos naturais e de elementos naturais sem degradação antrópica, o socialismo mostra-se também como a doutrina que coloca o ambiente frente ao lucro.

Lutar pelo Homem e pela sua emancipação é lutar pela sustentabilidade do ambiente.
Lutar pela consciência plena de cada um é lutar contra o poder do capital sobre a ignorância. Organizar a luta pela libertação dos trabalhadores é defender a natureza. Constituir o poder dos trabalhadores é eliminar a relação Capital – Natureza (predatória) e substitui-la pela relação Homem-natureza (simbiótica).

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