Wednesday, November 12, 2014

A crise, a "crise", e a "crise de classes" e a luta de massas.



Machete diz que “a crise pode justificar certas restrições aos direitos fundamentais” e assume com uma certa franqueza a sua concepção de “crise” e de “direitos fundamentais”. Na verdade, desde sempre os comunistas disseram que o desenvolvimento económico é a base da concretização dos direitos das populações, particularmente dos trabalhadores. A ausência de crescimento económico, o subdesenvolvimento, o atraso ou retrocesso no desenvolvimento dos meios de produção sacrifica em primeiro lugar os direitos dos trabalhadores. Isso sucede, não apenas no contexto de predominância de relações sociais capitalistas, mas mesmo num percurso de construção do socialismo. No primeiro caso, porque a “crise” mais não é do que um resultado da sobreprodução capitalista, o que significa que a apropriação capitalista é assegurada enquanto que a “crise” se abate sobre o conjunto dos trabalhadores como a perda de rendimentos e sobre os serviços públicos, condição que são para a satisfação de direitos. No segundo caso, porque a economia é o substrato que alimenta todas as actividades humanas.

As componentes da democracia, tal como vista por nós, são interdepentes e interpenetram-se. A democracia económica, a social, a política e a cultural são as quatro dimensões da democracia que consubstanciam uma política democrática e não podem existir umas sem outras. Contudo, como materialistas, é a base material que determina os fenómenos e os processos e, não é diferente neste caso. A base, a economia, é o pilar sobre o qual se constrói a sociedade, a cultura e a política. Como tal, a democracia económica é o pilar sobre as restantes componentes da democracia se consolidam, sem prejuízo de uma relação plenamente dialéctica entre elas, na medida em que não é possível atingir uma democratização plena da economia – socialização dos meios de produção, socialização da produção e dos ganhos, gestão democrática e subordinação da produção às necessidades da população – sem que simultaneamente se construam e aprofundem as restantes vertentes da democracia.

O que Machete afirma não é nada mais, nada menos do que isto, do ponto de vista da classe dominante. Ou seja, num contexto em que a classe dominante, a grande burguesia, geriu os meios de produção em função única e exclusivamente da apropriação crescente da riqueza produzida pelo Trabalho alheio e pela exploração dos recursos naturais e gerou um cenário de crise de sobreprodução, a especulação e a apropriação das parcelas de riqueza sob gestão pública são o alvo preferencial do capital monopolista, sem prejuízo do assalto ao valor do trabalho e da intensificação da exploração e das alterações necessárias na divisão internacional do Trabalho. Assim sendo, do ponto de vista da classe dominante, num contexto em que os grupos económicos precisam de acumular também através do assalto aos orçamentos dos Estados e às dívidas soberanas, os recursos escasseiam para assegurar o conjunto de direitos das populações – todos eles dependentes do desenvolvimento económico. Claro que para Machete, nem o conceito de “crise” corresponde necessariamente ao conceito de crise de sobreprodução capitalista, mas a uma espécie de castigo sobre os trabalhadores por terem almejado ter mais do que os patrões lhes quiseram dar; nem o conceito de “direitos fundamentais a restringir” abarca os privilégios dos grupos económicos de continuarem a explorar, a especular, a despedir, a descapitalizar, no fundamental, a roubar. Não passará, certamente, pela cabeça de Machete questionar o “direito fundamental” à propriedade privada dos meios de produção e da banca; ou o “direito fundamental” a manipular a comunicação social: ou o “direito fundamental” a despedir trabalhadores, descapitalizar ou desmantelar empresas em função do lucro dos accionistas; muito menos passará pela cabeça de Machete restringir o “direito fundamental” a extrair mais-valia do trabalho e a distribui-la sob a forma de dividendos aos accionistas dos grupos monopolistas.

A perspectiva de classe nas palavras de Machete é límpida e é deste tipo de vanguarda reaccionaria que mais rapidamente se extrai a verdadeira vontade dos políticos ao serviço da classe dominante, porque o revanchismo anti-Abril e a moral burguesa lhe corre não só nas veias, como lhe sai incontinente pelos poros. Machete fala verdade.

O desenvolvimento económico será a primeira prioridade para assegurar a democracia e os direitos dos jovens, dos trabalhadores e trabalhadoras, dos idosos e reformados, na medida em que só produzindo pode o país gerar a riqueza necessária para o libertar do esmagamento e da dependência do exterior. Ao mesmo tempo, só o desenvolvimento económico pode criar as condições para que os trabalhadores se libertem da dependência dos grupos monopolistas nacionais e transnacionais. No sistema capitalista isso não é menos verdade, na medida em que apenas a produção pode gerar a riqueza para alimentar os serviços públicos, os salários e pensões. No entanto, o sistema capitalista não está cristalizado no tempo e desenvolve-se e atinge um limiar crítico entre a possibilidade de acumulação e a possibilidade de afectação de riqueza a direitos e sua concretização. Esse limiar crítico é histórico e material e, em última análise incompatibiliza por completo o funcionamento do sistema capitalista em simultâneo com qualquer laivo de democracia económica, social, cultural ou até mesmo política.

O que Machete diz é verdade: na sua óptica, como na nossa, há comportamentos que podem e devem ser restringidos em contexto de subdesenvolvimento económico. Resta, pois, saber se acatamos que sejam os autores e responsáveis da crise de sobreprodução capitalista (os grandes grupos económicos e os seus políticos de serviço) a manter os privilégios que estiveram na origem da própria crise ou se é altura de resgatarmos os nossos direitos. O capitalismo é, em si mesmo, mais uma fase de “crise de classes” que também se manifesta na acumulação da riqueza nas mãos de uma classe à custa do empobrecimento das restantes. Ante a crise, ou abdicamos da democracia ou liquidamos o poder dos monopólios e os privilégios da burguesa. Onde Machete quer restringir “direitos fundamentais”, respondamos com a necessidade de os afirmar como nunca. Sob pena de o fascismo se abater sobre os povos, atrasando o necessário salto para o fim da “crise”, o da revolução socialista. Por isso é que lutar por cada um, em cada esquina, fábrica, escola ou hospital, desses “direitos fundamentais”, trazendo as massas à sua defesa, a luta pela manutenção e até pelo aprofundamento desses direitos é a luta pelo socialismo.



Por isso é que a luta por uma democracia política não pode ser feita sem a luta por uma democracia económica, social e cultural. E por isso é que a luta pela democracia, em última análise até mesmo pela democracia política, é a luta pela superação do capitalismo. Por isso é que é participação das massas na defesa de cada direito que trará a todos a percepção clara de que tais direitos e a sua concretização plena são incompatíveis com o capitalismo e as suas democracias decadentes e que só a revolução socialista poderá criar o espaço para uma verdadeira Democracia. A luta pelos direitos concretos, pelas aspirações e das pessoas, pelos direitos da juventude, dos trabalhadores e dos reformados e pensionistas não é um caminho para a democracia por opção. É mesmo porque um mundo de solidariedade e cooperação, um novo modo de produção social e gerido colectivamente só pode ser empreendido com solidariedade e cooperação, com participação social e direcção e acção colectivas. Isso é luta. E é de massas.

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